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Todo dia era dia de índio
A pandemia trouxe para a escola onde eu trabalho uma situação inusitada até então. Em 2020, uma aluna do terceiro ano do ensino médio, que era sempre tão aplicada, deixou de fazer as atividades remotas.
No levantamento que fizemos sobre nossos alunos, nos deparamos com uma surpresa: a aluna voltou a morar na aldeia. Pois é, Guarulhos é uma cidade grande e, no limite de município com a zona norte de São Paulo, existe uma aldeia indígena.
A vice diretora, então, se prontificou e levou as atividades adaptadas para que a aluna fizesse de maneira que não precisasse de tecnologia já que lá não tem.
De carro, essa aldeia fica em torno de 40 minutos de distância da escola. Sim, usamos o tempo como marcador de distância também.
O que nos chamou a atenção foi a aluna não ter dito suas origens. O preconceito e o bullying são tão presentes que a mesma decidiu se preservar.E dessa forma, ela conseguiu concluir o ensino médio.
No inicio de abril deste ano, 3 ocas sofreram um incêndio. Essas ocas eram destinadas à prática da ancestralidade e acervo cultural e agora eles pedem doações para a reconstrução das mesmas. O nome da aldeia é Filhos desta Terra, localizada no Cabuçu, em Guarulhos.
A letra da música da Baby Consuelo, hoje Baby do Brasil, diz: " todo dia era dia de índio".
E hoje vem a reflexão: não pode ficar apenas no dia 19 de abril.
Infelizmente, o preconceito contra os indígenas ainda é muito presente no Brasil atual.
Acredito que parte do problema está relacionado ao modo como essas questões são tratadas em certas escolas (quando isso acontece). Os indígenas são sempre vistos como os outros, como se não fizessem parte da sociedade na qual vivemos.
Há um exemplo de uma escola de Guarulhos, por exemplo, que vestia seus alunos de índios para que eles apresentassem seminários falando sobre as diferentes comunidades indígenas no Brasil. Tratar o índio como uma fantasia, além de ser um ato preconceituoso, coloca os indivíduos indígenas no mesmo patamar de personagens fictícios. Dessa forma, esses sujeitos tem sua subjetividade apagada, como se a identidade indígena se resumisse somente aos seus trajes.
Nos anos 40, Yan, acreditava-se que os povos indígenas iam desaparecer. Porém, eles ainda existem, resistem e re-existem. É claro que ele vão desaparecer junto com o homem branco quando a ganância humana destruir toda a natureza e assim vai dar fim a era do antropoceno. Uma outra concepção errada sobre o indígena é que eles são seres do passado ou o que fomos antes de nos tornar civilizados.
Que história, Sandra! Senti muito em suas palavras como o nosso país desde ações como reprimir um indivíduo de manifestar ao falar livremente sobre sua ancestralidade até a a queima de ocas ainda propaga tanta violência às minorias, e até hoje elas são incontáveis. De fato, 1500 foi o ano que não terminou e as estruturas coloniais apenas se reinventaram, ainda ocorrem genocídios culturais, de línguas e de identidades. Precisamos resistir! Achei maravilhosa a atitude da diretora, depois dessa revelação, acho importantíssimo repensar amaneira que escola celebra a data do dia do índio que convenhamos, trata-se de uma data meramente comercial e as pessoas poucos letramentos sobre o assunto tem pois a mídia ainda passa uma visão extremamente estereotipada. É urgente que façamos reflexões sobre isso e perguntar para esses grupos como gostariam de ser representados e o que eles tem para falar, mas acima de tudo escutá-los. Estereótipos ainda rendem muitas visualizações e dinheiro, é triste, mas é essencial que os alunos da escola conheçam um pouco mais da realidade dessa aluna. Desmistificar, expandir e conhecer, tenho certeza de que seriam trocas culturais riquíssimas!
Uma perspectiva intercultural crítica (WALSH) busca essas trocas, Nicolle, e não a assimilação do aluno na cultura dominante. Apesar de existir vários projetos nesse sentido, o governo não adotou ainda políticas públicas para determinar como as escolas devem trabalhar a cultura na sala de aula.
Impressionante, Sandra, observar que o preconceito contra o indígena fez a aluna esconder sua identidade dos alunos e professores. As trocas culturais e linguísticas possíveis não aconteceram porque as linhas abissais, que tornam invisíveis certas identidades em certos contextos, reproduzem as relações de poder sedimentadas no longo século 16. Considero que o sistema de cotas mudou essa realidade de algumas maneiras no ensino superior. A formação intercultural indígena capacita há duas décadas professores indígenas que voltam para a aldeia para educar as crianças indígenas. Sem dúvida todo dia era dia de índio e tá na hora de conhecermos os saberes originários para frear o processo de acabar com Gaia.
Eu não fazia ideia da existência de aldeias indígenas em Guarulhos! Estou surpresa com a informação que você nos trouxe, Sandra! E que lindo o que a vice-diretora fez de possibilitar a conclusão do ensino médio a essa aluna. Há muito a se refletir aí. Aonde a gente se perde a ponto de uma adolescente precisar esconder sua origem para não sofrer bullying?
Realmente... Não pode ficar apenas no dia 19 de abril!
Obrigada por compartilhar isso com a gente, Sandra!!
No Brasil, Patrícia, o professor é constantemente desvalorizado. Ao mesmo tempo, a mídia gosta de mostrar os professores como heróis: é o professor que leva 40 minutos para ir até a aluna e entregar o material. É o professor que, muitas vezes, banca com o próprio dinheiro a festa da escola, o material usado na sala de aula etc. Durante a pandemia, os professores foram chamados de preguiçosos enquanto somos a classes que mais precisou se reinventar na pandemia. O professor devia ser reconhecido pelo governo e a sociedade. O professor/herói pouco representa o papel que queremos ter na sociedade.