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Compartilhando experiências....
Hoje no grupo começamos uma discussão a respeito do material didático para o ensino de línguas. Constantemente nos deparamos com situações que acabam por não contemplar a realidade dos nossos alunos.
Então, gostaria de relatar uma experiência simples que vivenciei essa semana:
Eu uma aula online compartilhei com meus alunos e alunas do 6º ano um texto do material didático em que um menino apresentava a sua família (típica de propaganda de margarina: pai, mãe, filhos e avós). Fizemos a leitura do texto, trabalhamos o vocabulário. Tudo corria conforme o planejado. Daí, passei para a apresentação de uma proposta em que os alunos e alunas teriam que produzir o seu próprio texto apresentando suas famílias. Fiz uma adaptação da proposta que estava no material didático. No vocabulário a ser utilizado, incluí os termos stepfather e stepmother. E no exato momento que inseri o novo vocabulário uma aluna comentou no chat: "Nossa, finalmente alguém falou sobre isso. Agora vou conseguir falar sobre minha família porque eu não tenho pai, mas tenho um padrasto".
Após ler o comentário da aluna, finalizei a leitura da proposta com a turma e os conduzi para uma discussão a respeito das diferentes estruturas familiares. E foi quando tudo saiu do que estava planejado. Porém, foi uma aula riquíssima em que meus alunos e alunas que não fazem parte de uma estrutura familiar "tradicional" (não sei se esse é o termo adequado) se sentiram respeitados(as) e representados(as). E os outros puderam experimentar um momento de expansão das suas vivências e visões a respeito do mundo.
O material didático, e muitas vezes nós educadores, repetimos um discurso carregado de preconceitos. Sobre esse exemplo, muitas vezes, sem termos a consciência mesmo, pregamos uma concepção de família constituída pelo pai, mãe e filhos. E quando não discutimos diferentes estruturas familiares, estamos ignorando que existem outros modelos, que muitas vezes são vistos com uma carga muito grande de preconceito. Nossos alunos e alunas já sofrem com isso na sociedade, e não é justo que sofram também na escola.
Nossas aulas precisam ser um espaço em que eles e elas se sintam seguros(as) e respeitados(as) na sua individualidade.
Essa questão é muito importante mesmo.
Desde quando assumi às aulas na escola pública, eu tenho esse cuidado com os eventos. Realmente, em muitos casos, mexe na ferida. Temos que ser empáticos.
Parabéns!
Como podemos pensar num Dia de Índio diferente? Podemos visitar com nossos alunos pessoas sábias nas suas aldeias ou trazer indígenas para conversar com nossos alunos. Podemos ler literatura indígena (muitas vezes vendida no setor de literatura infantil nas livrarias), assistir filmes sobre outros modos de vida e, sem dúvida, visitar museus de arte indígena. No começo desse ano, a Pinacoteca de São Paulo recebeu um grande exposição completamente dedicada à arte indígena.
Esse seu relato me cativou demais, Dayane! É simplesmente essencial conversar com a realidade dos alunos através dos materiais didáticos, que infelizmente ainda são bem limitados. Apenas uma pequena parcela da população vive em contexto familiar a emblemática família margarina. E sempre me pego pensando como datas comemorativas como dia dos pais e dia das mães podem ser tão avassaladoras para crianças que não tem núcleo familiar padrão. Além do claro propósito comercial, vejo que há um intuito nisso em reforçar o padrão familiar vigente. O brasil é cheio de pães, mães solo, crianças criadas por avós, por tios, por padrastos, irmãos, ou apenas um pai, ou mãe, ou dois pais ou duas mães. No entanto, essas realidades não são explícitas ou veiculadas com a frequência que deveriam nas mídias de comunicação. Devemos normalizar todos os tipos de família, devemos naturalizar e facilitar o processo burocrático e a aceitação social de casais homoafetivos adotando crianças, até mesmo indivíduos transsexuais, avós, tutores etc. A escola e professores devem começar o movimento de que o critério para formação de uma família sejam os laços e o amor.
Que linda a sua reflexão, Nicolle. Me lembra da bell hooks quando fala sobre a construção de comunidades amorosas, muitas vezes constituídas fora dos laços de família tradicional. Todas as formas de amor são legítimas e isso precisa ser ensinado nas salas de aula.
Dayane, o seu trabalho expandiu as noções sobre família que o livro didático promove e interrompeu o habitus interpretativo (MONTE MÓR) dos alunos. Isso criou uma ruptura, uma crise no modo que o senso comum (que NUNCA é comum) nos leva a pensar em família de certas maneiras e não outras. Sabemos também que no Brasil uma grande porção de família é sustentada pelas mães, com a ausência total da figura do pai. Como sentem essas crianças que o modelo da família delas não se encaixa no status quo? Nem acesso elas têm ao vocabulário que daria nome as coisas no contexto que elas vivem.
Dayane, adorei esse relato, e acredito muito que a educação se dá muito por identificação mesmo. Quando o universo do aluno se relaciona com a aula, tudo fica muito mais significativo para eles.
Como comentamos lá na aula síncrona, meu filho costuma chamar o padrasto dele de tio quando fala dele para os amigos para dispensar longas explicações. E eu compreendo ele, mas tento incentivar ele a compreender os motivos da escolha da palavra tio. Quando ele era mais novo todos meus amigos para ele eram tios e tias. Mas a relação do meu filho com meu companheiro já existe há alguns anos e é diferente da relação dele - meu filho - com meus amigos. E eu tento falar para ele que ele pode usar o nome do padrasto mesmo que é como eles se chamam no dia a dia, afinal muitos amigos dele também não possuem a família tradicional e tá tudo bem com isso, ninguém vai achar ruim ou estranhar.
Um dia fazendo uma atividade com uma turma de 1o ano do ensino fundamental também falando sobre membros da família, uma aluna minha contou que na casa dela tem a mãe dela e que possui uma avó mas é uma avó quase mãe, pois ela fica todos os dias comigo fazendo a aula online e ajudando a gente. Um amorzinho. Quantas avós hoje em dia não fazem um papel fundamental na vida de suas netas, muitas vezes até mais próximas do que o pai? Acredito muito que precisamos incentivar os alunos a trazerem suas diferentes realidades para sala de aula, pois essa pluralidade enriquece todo mundo, não só enquanto conhecimento de vocabulário em outro idioma, mas também em relação à conhecimento de mundo e de seus colegas.
O seu filho, Patrícia, é muito inteligente e sensível. Como ele sabe que qualquer diferença no mundo monolítico e homogeneizado que vivemos, levanta perguntas, ele prefere pular essa parte. Sobre chamar o seu companheiro de tio, percebi logo que cheguei no Brasil que tia/tio é uma maneira de chamar alguém muito próximo, uma maneira afetiva de se referir a pessoa (até @s professor@s são chamad@s de ti@). Mas a diversificação do conceito nas conversas com o filho problematizam ainda mais conceito.