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Vou sentar NA mesa.
Um dos "erros" de português que são frequentemente corrigidos diz respeito ao uso das preposições A e EM quando usadas com o verbo sentar.
Um "consultor de língua portuguesa" da rede globo afirma que "Se você pretende comer, é melhor sentar-se À mesa. Seria muito deselegante você sentar-se na mesa, ocupando o lugar dos pratos e talheres.".
Tal afirmação é problemática em relação a, pelo menos, três aspectos diferentes.
O primeiro é inferiorizar as pessoas que usam a preposição EM, como se elas fossem sentar em cima da mesa somente porque usam essa preposição.
O segundo é desconsiderar a frequência de uso e o significado de sentar-se na mesa. É óbvio que todos os falantes da variante brasileira do português entendem que sentar-se na mesa, na verdade, significa sentar-se em uma cadeira perto da mesa.
O terceiro problema é querer impor que as normas do português europeu sejam usadas no português brasileiro, o que demonstra um profundo desconhecimento da própria língua.
Os europeus falantes de português utilizam a preposição A com diversos verbos, o que não acontece no português do Brasil por conta da especificidade de sua formação. Do século XVI ao XIX, milhares de africanos escravizados chegaram ao Brasil e tiveram que aprender o português europeu enquanto eram vítimas das mais violentas agressões. Acontece que, durante as interações com o colonizador, era muito difícil para falantes de outras línguas identificar a preposição A, (Avelar e Galves, 2014) o que ocasionou, também, o uso da preposição PARA com verbos de movimento.
Um processo similar aconteceu com os artigos em determinados contextos. Por exemplo, em português brasileiro é possível utilizar substantivos singulares sem artigos (chamados na linguística de nomes nus) como no exemplo: "menino gosta de sorvete" ou "cachorro come ração". Isso é algo que não aconteceria no português europeu.
Essa discussão sobre sentar-se À ou NA mesa remete, na verdade, ao pensamento colonizado de certos brasileiros que desvalorizam sua própria língua em detrimento da variante europeia, que, em muitos aspectos, não é natural para um falante brasileiro.
Isso quer dizer, então, que não devemos ensinar aos alunos que podemos falar "sentar-se à mesa"?
Na verdade, não. Pode-se ensinar o uso da preposição A, quando necessário, mas sem estigmatizar o aluno porque ele usa outra preposição. Algo importante a se pensar é que se o falante produziu determinada estrutura linguística, ela é natural, mesmo que não esteja prevista em um livro de gramática.
O link do artigo da globo: http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/sentar-se-mesa-ou-sentar-se-na-mesa.html
A referência sobre impactos das línguas africanas na formação do português brasileiro: AVELAR, J.; GALVES, C. O papel das línguas africanas na emergência da gramática do português brasileiro. Linguística: Revista da ALFAL, [s.l.], v. 30, n. 2, p. 241-288, 2014.
Muito relevante suas contribuições, Yan! O linguista Steven Pinker falou sobre isso no seu livro Instinto da linguagem em que os erros cometidos por falantes são sempre sistemáticos, ou seja há uma tendência e propensão linguística e histórica para esses erros gramaticais ocorrerem como você explicou sobre a influência dos africanos na nossa língua. Um exemplo claro que ele deu sobre erros sistemáticos é que os falantes entendem a sintaxe da língua, mas declinações são naturalmente fáceis de serem confusas, é comum ver pessoas falarem os menino mas nunca o meninos pois existe um entendimento sobre concordância e sintaxe que foi assimilado anteriormente entre artigos e substantivos. O linguista Marcos Bagno em seu livro preconceito linguístico critica qualquer repreensão a erros gramaticais pois todo erro é acima de tudo uma tentativa de acerto.
Nicolle, todo erro no contexto dele é sistemático. Se não, as pessoas não iam poder se comunicar. Por isso, o acesso as variedades linguísticas de prestígio vai pluralizar os repertórios que o aluno já traz das comunidades nas quais ele pertence.
Isso me faz lembrar da clássica frase professora, posso ir NO banheiro?
Ou ainda alguém me perguntar: NAONDE você mora? E tem também Quer namorar COMIGO?
São exemplos de frases clássicas que simplesmente ganharam força na oralidade e são repassadas.
É isso, Sandra! A metáfora da língua como rio nos ajuda a entender essa fluidez da língua. Ao mesmo tempo, no espaço escolar, os alunos precisam entrar em contato com outras variações da língua, normativa ou não, e criar um senso crítica sobre quando cada variação deve ser usada. De alguma maneira, a escola deve enriquecer o repertório linguístico dos alunos
Um consultor de língua portuguesa da rede globo afirma que Se você pretende comer, é melhor sentar-se À mesa. Seria muito deselegante você sentar-se na mesa, ocupando o lugar dos pratos e talher.
Também temos: Ir ao encontro e ir de encontro. Nossa língua é mesmo muito rica e complexa, tanto que Calça e um coisa que se bota e bota é uma coisa que se calça.
Exatamente, a língua é riquíssima e nos proporciona diversas formas de nos expressarmos. Ao escolhermos uma variante como a correta, acabamos por desvalorizar não somente o conhecimento linguístico do aluno, mas também sua identidade, cultura e conhecimento de mundo.
Adoro esses trocadilhos, Edna! A riqueza da língua é o que deve ser trabalhado nas salas de aula e não uma língua alienadora que torna insignificantes as línguas que o aluno possui.
Yan, Debater sobre a relação das línguas com as sociedades precisa adentrar os muros da escola. Porque @s alun@s muitas vezes só ouve que estão errad@, como se não tivesse familiaridade com a própria língua, gerando aversão ao ensino formal e frases do tipo: não sei nem português, imagina aprender inglês.
A língua não se restringe em nomenclaturas, perpassa usos, contextos e principalmente culturas, essas não podem ser silenciadas/negligenciadas pela escola.
Enquanto professores de línguas devemos buscar decolizar e não reafirmar preconceitos.
Às vezes tenho a impressão que o português é ensinado aos alunos como se fosse uma língua estrangeira. São tantas regras que parece que esquecem que o aluno é falante de português e participa diariamente de práticas sociais intermediadas por essa língua.
Respeitar as línguas que o meu aluno traz para escola seria um dos princípios dessa educação que busca ser decolonial, Ludimila. A função do professor é resignificar o que erro a partir de uma perspectiva crítica sobre a língua que a reconhece como prática social.
Muito interessante a perspectiva que você adota para analisar a norma e o desvio, Yan. Vou trazer aqui a maneira que leio Bakhtin em relação a essa temática. Para Bakhtin (ele não fala com essas palavras, mas é assim que entendo), existem normas linguísticas imanentes e transcendentes nas sociedades escolarizadas. O aluno que traz sentar na mesa, sem dúvida segue uma norma da comunidade dos falantes que ele/ela pertence. Essa seria uma norma imanente a esse grupo social. Do outro lado, as instituições escolares busca transmitir as normas transcendentes da linguagem, visando a uma homogeneidade social e linguística para apoiar a ideia da estado-nação moderna de uma nação, um povo, UMA língua. Resta a nos, professores, trazer essas discussões para a sala de aula e problematizar as relações de poder que são criadas nesse contexto.
Nós, professores, temos sempre que nos atentar a essas relações de poder para não acabarmos reproduzindo essas estruturas que visam classificar todos os saberes locais como errôneos.
Algo que me deixa intrigado, principalmente em relação a esses pseudo consultores de língua é o fato de eles sempre trazerem a história da língua para julgar alguma mudança como errada. Vemos isso amplamente em relação à linguagem neutra. Sempre aparece alguém para explicar que man, em woman, human, e outras palavras, na verdade significa pessoa (como se a língua se resumisse à sua história).
No entanto, quando se trata do que eles consideram desvio, nenhum deles comenta as razões porquê isso acontece. Nunca vi um desses consultores falar da contribuição africana para o português brasileiro. Isso acontece, muito provavelmente, por causa do pensamento colonizado que olha para a Europa como o único modelo de cultura, língua, e ciência a ser seguido.