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Escolas pós-Covid-19

sete passos em direção a uma revolução produtiva da aprendizagem

Paper

Por Bill Cope e Mary Kalantzis

Texto originalmente publicado em 24 de abril de 2020, disponível em:

https://cgscholar.com/community/community_profiles/new-learning/community_updates/117304 

De todas as principais áreas da nossa vida social, as escolas foram talvez as menos afetadas pela revolução digital. Mesmo quando os alunos possuem laptops ou tablets, as relações sociais e de construção do conhecimento parecem não passar por tantas mudanças. Muitas vezes, os professores ainda ministram suas aulas tradicionalmente, em pé, em frente à sala. Os currículos ainda restringem muitos conteúdos, e as avaliações formais ainda focam na memória de longo prazo.

Por esse motivo, em muitos aspectos, a transição universal automática para o ensino e aprendizagem on-line tem sido tão dolorosa durante a crise da COVID-19. Visto que, quando os educadores tentam reproduzir as mesmas velhas práticas no universo on-line, o resultado, na maioria das vezes, é em um passo para trás. A maioria das escolas e dos professores não estão suficientemente preparados para as mudanças genuínas e positivas que a transição para o on-line é capaz de propiciar.

Muito do que vemos no ensino on-line parece familiar, só que pior, como quando, por exemplo, temos sessões de videoconferência torturantes, nas quais o professor fala aos alunos, e apenas poucos acabam tendo chance de falar. Os professores enviam por e-mail questionários/tarefas, ou capítulos digitalizados do livro para os alunos e pedem aos pais para ajudarem seus filhos. Ou eles rapidamente colocam os alunos em "sistemas de gerenciamento de aprendizagem", como Canvas e Google Classroom, uma cruel mistura de programa de curso engessado e transmissão de conteúdo digital.

Tudo isso está fadado a fazer com que alunos, professores e pais reajam mal, justificadamente, à educação on-line que lhes foi imposta pela crise da COVID-19.

Mas não tem que ser assim. Se as ferramentas que estávamos sendo forçados a utilizar não fossem usadas de forma tão descoordenada, poderíamos descobrir que a aprendizagem on-line pode modificar, de maneira revigorante, a antiga sala de aula. De fato, podemos nunca mais querer voltar.

Em nosso grupo de pesquisa e desenvolvimento na Universidade de Illinois, há algum tempo estamos construindo ferramentas e pesquisando processos pedagógicos para o ensino on-line. Seja você um professor que trabalha agora com alunos à distância ou alguém que educa em casa, aqui estão sete dicas para melhorar a aprendizagem em um ambiente on-line. Foi isso que aprendemos sobre o que chamamos de propiciações digitais (digital affordances) para melhorar o ensino e a aprendizagem.

1. Torne os alunos mais ativos em seu processo de aprendizagem

Vá além dos livros e das tediosas tarefas digitalizadas! Há muitos conteúdos confiáveis disponíveis na Web e em formatos mais atraentes. Você pode indicá-los aos alunos, ou, melhor ainda, ajudá-los a realizar buscas/pesquisas e aprender como discernir boas fontes das más. O trabalho do professor está se tornando cada vez mais o de curadoria de conteúdo, não apenas transmissão do mesmo, e seus alunos também podem participar desse processo de curadoria.

Abandone os terríveis vídeos expositivos! Se cuidadosamente usadas, ferramentas de videoconferência, como o Zoom, podem ser boas para a discussão (mais sobre isso em breve). Mas comparecer às aulas e ouvir os professores falarem durante a maior parte do tempo, presencialmente ou on-line, sempre foi muito pouco estimulante cognitivamente. E, ainda mais para os alunos de hoje, que, em seus computadores e celulares, habituaram-se a criar dinâmicas próprias de seleção de mensagens. Isso não significa que você não deva gravar um vídeo. Grave. Mas divida-o em partes pequenas, e permita que seus alunos possam pular trechos que considerem fáceis, alterar a velocidade ou repetir várias vezes os trechos mais difíceis.

Em seguida, permita que os alunos sejam produtores de conhecimento, não consumidores! Assim, em vez de dizer a eles "leiam o capítulo 7", sugira "produzam ou façam uma curadoria do capítulo 7"!

E, finalmente, abordaremos aquelas discussões mediadas pelo Zoom, ou qualquer outra plataforma de videoconferência, nas quais apenas uma pessoa pode falar de cada vez e só depois de terem levantado sua mão digital. São os poucos previsíveis que falam enquanto muitos ficam em silêncio. Esse sempre foi um modo de interação subótimo, injustificável na era das mídias sociais.

Faça sessões on-line, sem dúvida, mas divida os alunos em pequenos grupos, insista para que todos interajam no bate-papo e distribua pesquisas às quais todos possam responder. Porém, na maioria das vezes, os fóruns de discussão on-line serão mais produtivos do que as videoconferências, porque todos podem ser solicitados a contribuir sem perderem seu valioso tempo e com mais espaço para fazerem uma contribuição ponderada, tornando mais fácil e confortável a participação de alunos mais reticentes.

2. Estimule a inteligência colaborativa

Assistir vídeos, ler textos, fazer atividades e responder questionários são modos clássicos de transmissão na aprendizagem on-line. Isso se configura como uma receita para o isolamento social, apenas o indivíduo com a sua tela. Durante a crise da COVID-19 na China, os alunos quase removeram o odiado aplicativo de dever de casa DingTalk da loja da Apple, bombardeando-o com avaliações terríveis.

A lição da mídia social é a poderosa aderência da conexão social e o reconhecimento mútuo da presença do outro. Mas explorar/cultivar a aprendizagem social envolve desafiar algumas velhas práticas educacionais.

Em vez de esconder "o meu próprio trabalho" por medo de ser copiado e / ou ser vítima do anátema do plágio, encoraje os alunos a trabalharem juntos, colaborativamente, em projetos on-line compartilhados. Em um período de distanciamento físico, o aprendizado social é mais importante do que nunca.

Peça aos alunos que analisem os trabalhos uns dos outros. Os alunos aprendem vendo pontos fortes e fracos nos trabalhos em andamento dos colegas. Eles aprendem a dar um feedback construtivo - não "uau, isso é ótimo", mas "aqui está uma sugestão". Eles também aprendem a respeitar as perspectivas dos outros e incorporá-las. Eles aprendem a reconhecer as contribuições que os colegas fizeram para seu próprio processo de aprendizagem.

3. Permita que as diferenças dos alunos se destaquem

Denominamos as duas primeiras de nossas sete dicas "reequilibrando a agência entre o professor e o aluno", em que o aluno assume maior responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem, o que é, então, equilibrado com a interação social. Quando os alunos não estão juntos na sala de aula física, isso se torna mais importante do que nunca, e também mais possível em um ambiente de aprendizagem digital.

Uma consequência do relaxamento das restrições na agência do aluno, surpreendente a princípio, é que as diferenças dos alunos se tornam visíveis e um recurso renovador para a aprendizagem. Chamamos essa idéia de "diversidade produtiva". Aqui estão alguns exemplos.

Peça aos alunos que participem da seleção do conteúdo. Estão aprendendo sobre vulcões ou triângulos? Então sugira que eles pesquisem sobre um vulcão no seu país favorito ou um elemento em sua própria realidade. As diferenças darão voz aos seus interesses e às suas identidades. O conhecimento que compartilharem será genuíno, ou seja, de autoria própria dos alunos.

Ou peça aos alunos que dêem feedback sobre, digamos, três outros trabalhos, contribuindo, assim, para que haja perspectivas interessantes, diferentes e ricas. De uma maneira particular, isso costuma ser melhor do que o comentário superficial do professor, enfrentando a tarefa de corrigir uma pilha do mesmo trabalho. E se a teoria do “crowdsourcing” estiver correta, a soma de várias revisões por pares pode ser tão eficaz quanto uma revisão por especialistas.

Uma última coisa: em vez de o professor falar para os alunos medianos da turma, entediando uns e confundindo outros, em vez de todo aluno estar na mesma página, os alunos podem progredir em direção aos objetivos de aprendizagem em seu próprio ritmo.

4. Aproveite ao máximo as mídias digitais

Ugh, aquelas páginas rabiscadas! Dois cenários comuns seriam: a perda de tempo para fazer um trabalho parecer "bonito" ou o trabalho não parecer real porque está em um pedaço de papel desorganizado.

Hoje, com o trabalho baseado na Web, temos acesso a recursos multimodais para construção de sentidos, onde uma página construída pelos alunos pode oferecer as mesmas funcionalidades que qualquer outra página na Web. Assim podemos incluir imagens digitais, vídeos, áudio, tabela, infográfico e uma série de outros recursos, todos devidamente citados e conectados, é claro!

Chamamos esse fenômeno de "significado multimodal". Este é o novo letramento de nosso tempo. Os espaços para "escrita na web", como blogs e wikis, são acessíveis a todos a partir de uma variedade de dispositivos. Portanto, nossa próxima dica: faça com que seus alunos usem ferramentas da web para criar o que chamamos de "representações de conhecimento multimodais".

5. Avalie processualmente

Testes tradicionais medem a memória de longo prazo: um fato, uma definição, um procedimento aplicado corretamente. (Definição de longo prazo: até o dia do teste.)

Por muito tempo, os testes têm sido um dos aspectos determinantes do processo educativo. Na era da inteligência artificial, tudo isso está destinado a mudar (embora, infelizmente, não na geração atual de sistemas de gerenciamento de aprendizagem, porque eles não foram instrumentados para essa possibilidade.)

Apresentaremos aqui um cenário diferente. Estamos em uma turma do 8º ano de vinte e poucos estudantes na zona rural de Wisconsin estudando a Comédia dos Erros (de William Shakespeare) em nossa plataforma experimental CGScholar (Common Ground Scholar). Ao final de sua unidade de trabalho (cerca de 3 semanas), eles interagiram através de discussões on-line e escreveram um projeto revisado por pares, oferecendo e recebendo 1.172 partes de feedback acionáveis, e analisando seus resultados com base em quase 150.000 pequenos pontos de dados. Cada aluno pode ver seu progresso em direção ao conhecimento, à medida que as pétalas visualmente tomam a forma de uma flor (a "Aster plot"), sendo preenchidas com base em três critérios: o conhecimento adquirido, o esforço desempenhado e a ajuda mútua ou as contribuições colaborativas para a classe.

Nenhum professor poderia oferecer tanto feedback ou analisar esses dados tão cuidadosamente. Nenhum teste poderia propiciar tanto feedback imediato a todos os alunos.

Agora, os alunos e seus professores voltam-se não tanto para a memória de longo prazo, mas para o trabalho de construção real do conhecimento que os alunos realizaram. Hoje, os dispositivos que mantemos próximos ao corpo funcionam como próteses cognitivas. Podemos pesquisar muito mais conhecimento do que jamais poderíamos lembrar. A memória de longo prazo não é mais o objetivo principal ou único da aprendizagem.

Além disso, o critério de avaliação agora não se baseia apenas em uma pequena amostra do conhecimento de um aluno - o teste no final da unidade de trabalho e quando é tarde demais. É todo o trabalho que você fez. Ao longo do caminho, você obtém feedback útil, em pequenas contribuições acionáveis ​​- colegas, professores, computadores e auto-reflexão.

Chamamos sistemas de software como esse de "análise da aprendizagem" e o processo de avaliação de "feedback reflexivo". A dica é: procure ambientes que suportem avaliação formativa.

O teste está morto! Viva a avaliação processual!

 

6. Faça com que seus alunos reflitam sobre seu processo de conhecimento

Uma das consequências mais poderosas das cinco mudanças que já mencionamos é um fenômeno que chamamos de "metacognição" - pensar é mais eficaz quando os pensadores também refletem sobre seu processo de conhecimento. Aqui estão várias maneiras de fazer isso.

Em vez de um professor ou avaliador impor seu julgamento externo, dê aos alunos rubricas através das quais eles poderão avaliar a si mesmos e uns aos outros. Encoraje os alunos a postarem e depois comentarem construtivamente as postagens uns dos outros. Peça que eles discutam o objetivo/propósito de uma parte específica da aprendizagem e o tipo de "processo de conhecimento" envolvido.

 

7. Aprenda que a aprendizagem está em toda parte

As arquiteturas educacionais tradicionais mantinham professores e alunos limitados espacial e temporalmente às quatro paredes da sala de aula e aos intervalos dos quadros de horário. Agora, pelas terríveis circunstâncias de hoje e pelo menos por um tempo, fomos "libertados" da primeira dessas restrições. Quando professores e alunos voltarem à escola, as coisas serão como antes?

A “aprendizagem ubíqua ” - aprender a qualquer hora, em qualquer lugar - permite que a educação rompa seus confinamentos institucionais. Por exemplo, não apenas a discussão on-line é mais inclusiva para todos os alunos, mas não importa se ela ocorre na aula ou no trabalho em casa. E a ideia da “sala de aula invertida” é que as vídeo aulas gravadas podem ser bem diferentes e, em muitos aspectos, melhores do que as aulas do professor.

Então, nossa sétima dica é: nos tornamos flexíveis em relação ao espaço; agora vamos nos tornar flexíveis com o tempo também.

Em um cenário ideal, quando as escolas finalmente retornarem, professores e alunos terão aprendido maneiras diferentes de ensinar e aprender que contribuem para uma revolução tão necessária na educação. O cenário mais deprimente é que eles terão tido uma experiência tão negativa com o ensino on-line, que vão apenas retornar.

 

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Este artigo enfoca a educação básica. Escrevemos outro artigo explorando as implicações da COVID-19 no ensino superior. Para obter mais informações sobre as sete potencialidades da aprendizagem digital ("Seven Affordances"), visite: https://newlearningonline.com/e-learning.

Mary Kalantzis foi diretora da Faculdade de Educação da Universidade de Illinois de 2006 a 2016. Bill Cope e Mary Kalantzis coordenam o Programa de Liderança e Design de Aprendizagem on-line em Illinois e oferecem MOOCs que exploram o aprendizado on-line. Eles são autores de New Learning (Cambridge University Press), e-Learning Ecologies (Routledge) e criaram a plataforma de e-learning CGScholar. Mais em: http://newlearningonline.com.

Traduzido por:

Jailine Farias (UFPB/UFPE)

Rodrigo Abrantes (USP)

Vânia Castro (UFMG)